segunda-feira, 9 de junho de 2014
Descobri que te amo demais
Com a inspiração do Zeca, encontrei o início e a essência da felicidade. Descobri que amo demais a Deus e aos meus filhos. Amo demais a vida, um novo amanhecer, sempre uma nova oportunidade. Amo demais viver a corrida da vida ao lado do meu amor, minha linda esposa, companheira de todas as horas. Descobri que amo demais encontrar amigos verdadeiros, que abrem mão do seu tempo, que abrem as portas da sua casa e do seu coração para receber novas amizades. Descobri tudo isso correndo, olhando para o lado, lá pelo quilômetro 76, num trecho íngreme da famosa subida da Barragem do Lago Paranoá, quando estava quase esmorecendo, exausto, intercalando caminhadas rápidas com trotes curtos, sem me permitir, contudo, desistir ou mesmo imaginar parar.
Era só olhar a expressão de fé, de confiança e de garra do meu novo e incansável amigo Paulo Sergio para me manter na luta. Voltando o olhar para trás, vi todos os quilômetros em que ele esteve ao meu lado, desde antes da primeira passada, com sua superbike, com os providenciais géis, água, Coca-Cola gelada, bisnaguinhas, frutas, água de coco, jujubas da Gabi e palavras de apoio.
Ninguém vence sozinho, é certo! Além do Paulo, estavam comigo a querida Gabi, registrando tudo com sua câmera fotográfica; a Soraya, guiando com maestria o carro de apoio e correndo nos postos e mercados próximos para comprar mais água, gelo e lanches para todos; e, como sempre, minha linda Vivi, separando e organizando a suplementação, os alimentos, as bebidas, me puxando nas trilhas e subidas. Todos eles passando motivação com gritos de incentivo a cada momento.
Tenho certeza de que vencemos. A corrida foi dura. Os primeiros 50 quilômetros da Volta do Lago são ótimos, o percurso é favorável e o sol apenas começa a se animar. Optei por uma estratégia ousada, fechando um pouco mais rápido do que programado essa parte da ultramaratona. Alguns atletas puxaram um ritmo forte no início, porém, na dúvida, sem saber exatamente se iriam suportar aquele pace ou quebrar, procurei não deixá-los abrir muita vantagem. Foi nesse momento que errei ao basear minha prova no desempenho de outros. Em qualquer competição (e numa ultramaratona mais ainda), é fundamental correr o que foi treinado. Apesar dos apelos do Paulo e da Vivi, não segui essa estratégia e acabei correndo mais forte do que deveria, o que me foi cobrado depois. Na segunda parte da prova, com o sol a pino e a altimetria castigante (que inclui trilhas complicadas e aclives acentuados), além da estafa muscular que me torturou, meu ritmo caiu muito. Os que haviam saído na liderança não completaram a prova e os três primeiros colocados vieram de trás. Ainda assim, apesar da queda brusca no rendimento, cruzei a faixa em quarto lugar, com um bom tempo.
É muito bom ser o primeiro a chegar, mas, também, é muito bom apenas chegar. A ultramaratona Volta do Lago Caixa é uma prova bastante difícil. Seus 100 quilômetros reservam surpresas. Afirmo, sem titubear, não teria completado a prova sem os anjos que me apoiaram em cada quilômetro.
Certamente, vencemos a prova, vencemos o cansaço, a vontade de parar e as dores. Vencemos ao concluir, assim como são vencedores todos, do primeiro ao último a cruzar a linha de chegada.
Cada aventura tem sua história. Nesta, descobri que amo demais correr, fazer amigos e viver mais uma grande emoção. Ficou, porém, um gostinho de quero mais. Quero melhorar e, portanto, já começaram os treinos para a Volta do Lago Caixa 2015. Se meu time me aguentar, novamente, estarei lá; sem eles, nem começo.
Beijos, minha linda.
Meu agradecimento especial ao patrocinador máster (Território Mountain) e aos apoiadores que também fizeram meu sonho se tornar realidade (TRC, Fit Premium e Nutriscience Fisio SportNutrition).
http://www.territorioonline.com.br
http://www.trcbrasil.com
http://www.fitpremium.com.br/unidades/batel
http://www.fisio-sportnutrition.com.br
Crédito das fotos: 1 e 5 (Paulo Sergio Costa); 2, 3 e 4 (Henrique Jacob); 6 (Corre pra foto).
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
A corrida nossa de cada dia
O retorno à animação das passadas ligeiras, o reencontro do coração tocando a garganta por alguns segundos e o GPS registrando medidas sub 4’/km... Que alegria!
Ainda sob o efeito da longa jornada recente, saí na melhor companhia, parceira nos quilômetros e na vida, disposto a atirar-me em alguns intervalados para relembrar às pernas resquícios do ritmo de outros carnavais.
Satisfeito e realizado, concluí o proposto: oito tirinhos de mil metros, suficientes para derreter sob o animado sol de Curitiba 2014.
Então, reencontrei minha amada, que fez seu regenerativo, e retornamos juntos, em passeio animado.
Quase ao final do trajeto, o belo casal Rodolfo e Marisa passaram por nós e buzinaram um incentivo, assim como o amigo Alex. Na mesma passada, uma ambulância também buzinou para conferir nossa sanidade diante da caldeira desta manhã.
Com satisfação, amizade, segurança e muito amor, está escrita outra página de vida na nossa corrida cotidiana.
Anime-se você também!
Beijos, minha linda.
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sábado, 1 de fevereiro de 2014
A jornada solo nas 135 milhas
Uhu! Ufa! Que visão é esta?! Aaaahhh!
O alto da Serra dos Limas, o segundo ponto mais elevado do percurso, proporciona um visual deslumbrante da cidade de Andradas e da cadeia de morros da região. A serra fica próxima ao quilômetro 70 e é uma amostra do que é enfrentado e desfrutado na Brazil 135 Ultramarathon, realizada no famoso Caminho da Fé, na Serra da Mantiqueira, entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Apesar da fama da prova entre os ultramaratonistas, confesso que ela não me despertava interesse porque a considerava inalcançável, em função das várias dificuldades, da longuíssima distância (217 quilômetros), do percurso com subidas e descidas jamais vistas em qualquer outra competição, do calor extremo, dos temporais frequentes na época do evento, da dificuldade para ser aceito como atleta solo, além do custo elevado da ultramaratona.
Entretanto, surgiu a oportunidade e o convite para participar da edição do aniversário de dez anos da BR 135. Meu parceiro Raphael Bonatto, famoso e experiente ultramaratonista, me convidou para esta loucura e, sem pensar muito, aceitei de primeira. Doideira! Dias depois “caiu a ficha”: estava inscrito na mais temível e desejada ultramaratona do país, um sonho e um pesadelo.
Sem saber muito bem como treinar, aumentei progressivamente a quilometragem rodada e tentei incluir algumas subidas nos treinos. Porém, a quatro semanas da competição, lesionei o tendão numa corridinha mais rápida e por pouco não tive de abandonar o projeto. Depois, acabei decidindo não fazer a prova, por falta de grana e também por duvidar se conseguiria completar todo o percurso.
Enfim, o tendão deu uma melhoradinha, consegui viabilizar a viagem e retomar minha participação, com alguns ajustes. Desfiz todo o plano inicial, com equipe de apoio própria e me programei para realizar o projeto de outra forma, usando o mesmo carro de apoio do amigo Bonatto. A ideia era corrermos juntos e dividirmos as despesas.
Meu objetivo era claro: terminar a jornada! O limite para a conclusão da prova é de sessenta horas e eu tinha uma estratégia resumida: “devagar se vai ao longe”. Assim fui.
Chegou finalmente o grande dia. O hino nacional anunciou o começo da prova, às 8h de 17 de janeiro de 2014, em São João da Boa Vista. Momentos antes da largada, me dei conta de que estava em uma competição histórica, em uma das três provas da Copa do Mundo de Ultramaratonas Extremas Bad135. Era a realização de um sonho que eu nem ousava ter sonhado. Gigantes das ultramaratonas internacionais e debutantes no evento estavam alinhados para o início da longa jornada e, assim como eu, todos eram impulsionados pelas mil coisas que se passam pela cabeça e pela ansiedade natural do início das provas, elevada ao cubo pela importância da BR 135. Já havia passado por tantos “perrengues” para estar ali e a prova ainda nem tinha começado. Nos bolsos e na mochila, água, isotônico, aminoácidos e sal; no coração, muita fé, coragem e medo do porvir.
Tudo tranquilo, um dia lindo de sol e as ladeiras acima e abaixo honravam suas propagandas: eram insanas! No primeiro dia, passei pelo belíssimo e difícil Pico do Gavião. Que visual! Também conheci a Serra dos Limas (outra maravilha da natureza, deslumbrante) e mais sete cidades, até alcançar Inconfidentes. As cidades ficam em vales e, para chegar até elas, é preciso cruzar extensas estradas de chão batido e pedras soltas, subir até o alto da serra, descer por outra pirambeira e passar por longo trecho sinuoso com mais sobe e desce. Isso se repete em todos os treze pontos da corrida.
Até o quilômetro 70, a alimentação e a hidratação foram perfeitas, com o apoio bem próximo do Rafa e da Carol (meus anjos da guarda). Depois desse ponto, acabei me distanciando um pouco do Bonatto. Ele teve problemas estomacais e reduziu o passo para se recuperar. Então, o carro de apoio ficou com ele e eu segui em frente, levando comigo alguns suprimentos na mochila. Para me dar um pouco de auxílio também, na medida do possível, o carro ia e vinha pelo percurso.
Uma das magias da prova é que as equipes oferecem ajuda para os outros atletas. Tive muito apoio de várias equipes pelo caminho. Sempre que me avistavam, ouvia a doce frase: “precisa de alguma coisa? Quer coca-cola, água ou gatorade?”. Sem dúvida, a prova é povoada por anjos.
Assim fui até Inconfidentes (quilômetro 115), quando parei para tomar banho, jantar e tirar um cochilo. Cheguei ao ponto de apoio às 22h19, com 14 horas de prova. O tempo estava bom, abaixo do que havia planejado para completar a distância. Eu, porém, estava exausto, cheio de barro, com meias e roupas molhadas e me sentindo debilitado. Jantei, tomei banho e fui me deitar. Fechei os olhos para um descanso rápido. Que piada! Quase não levantei mais, perdi a noção do tempo e dormi por quatro horas. Um luxo no meio da competição.
Depois do belo descanso, me arrumei para voltar a correr e o Rafa me ajudou a preparar a mochila com tudo que precisava para seguir meu caminho. Às 3h30 da madrugada de sábado, num breu incrível, parti para os derradeiros 102 quilômetros. Estava alimentado e usava meias, roupas e tênis secos. Saí embalado, noite adentro, disposto a tentar recuperar um pouco do tempo “perdido” dormindo e, nessa empolgação, peguei uma estrada errada. Corri cerca de 2 quilômetros e, depois de muitas subidas e descidas, cheguei a um aras. Que perigo, às 4h da madruga, eu estava fora da rota da prova e havia entrado em uma propriedade particular (poderia ser confundido com um ladrão e até levar um tiro). Retornei por outros 2 quilômetros e encontrei o caminho certo. Localizei a seta que deixei de ver com minha pressa. Ah, esqueci de mencionar, a sinalização do percurso da prova (o Caminho da Fé) é feita por algumas setas amarelas, pintadas em postes, cercas, placas, pedras ou no chão.
Nessa situação, entendi como correr à noite é bastante complicado. Ver as setas amarelas de sinalização do percurso não é fácil durante o dia e, na escuridão, torna-se um desafio, mesmo com a ajuda da ótima lanterna que eu usava (gentilmente emprestada pelo meu ultra-amigo João Sacks).
Descobri que a Serra da Mantiqueira tem dupla personalidade. Durante o dia, encanta com um visual deslumbrante, paisagens lindíssimas, muitas plantações e animais (como porcos, galinhas e grandes bois e vacas). À noite, porém, tudo se transforma. O vento move os galhos das imensas árvores e seu som se propaga na imensidão. A silhueta dos troncos cria seres monstruosos em meio à escuridão. Ao longe, os olhos dos majestosos bois se transformam em bolas de gude flamejantes. O som dos animais rompe o silêncio: corujas, sapos, pássaros e outros bichos completam uma sinfonia amedrontadora. Em meio a esse cenário, eu me senti oprimido e, na solidão da intensa noite, mentalizei coisas boas para não desistir e para não chorar, tendo ainda claro o objetivo: eu vou chegar! Pensei na minha linda e amada esposa, nos meus filhos queridos e nos amigos que torcem por mim.
Apesar do horário, fazia muito calor naquela madrugada. Para complicar um pouquinho, a mochila de hidratação não estava funcionando (soube depois que uma trava de segurança impedia que a água saísse). Assim, cada vez que queria tomar água, precisava parar, tirar a mochila e abrir a tampa do reservatório para beber do jeito que dava. Uma trabalheira de fazer rir (ou chorar). Outro contratempo eram as pedrinhas que insistiam em entrar no tênis, me forçando a parar várias vezes para retirá-las.
Só me restava correr e, quando amanheceu, próximo das 6h, cheguei à cidade de Borda da Mata. Faminto, encontrei apetitosos chineques de creme num pequeno mercado. Que banquete! Após acalmar o estômago, voltei à carreira, afinal ainda tinha um dia inteiro de aventuras.
Por volta das 15h, o sol era de matar. Meu almoço, ao meio-dia, havia sido macarrão instantâneo e depois disso tomei um gelzinho e nada mais, além de água, claro, muita água. Em uma das curvas seguintes do caminho, vi uma pequena venda, do outro lado de uma simpática pracinha, e resolvi entrar para comer algo. Que surpresa aprazível! O dono do boteco tinha acabado de fritar pastéis de queijo. Não hesitei, abocanhei dois daqueles deliciosos pastéis e uma supergelada gasosa de framboesa. Que delícia! Nunca mais me esquecerei daquele gosto. Após a bela degustação, peguei mais um refrigerante para a viagem e segui em frente.
Mais 16 quilômetros corridos e alcancei Tocos do Moji, uma bela cidade mineira. Fiz mais uma rápida parada no check point para comer uma pera e comprar mais garrafas de água. O corpo já tinha sido duramente castigado e o pior ainda estava pela frente: as pedreiras entre Estiva, Consolação e Paraisópolis, exatamente uma maratona, 42 quilômetros de muita dureza. Além do desgaste da distância já cursada, transpor os paredões foi como subir uma rampa muito íngreme, com pedras soltas e um sol de 40º C na cabeça. São trechos tão sacrificantes, que, no Caminho da Fé, ao final desses morros, há uma capela com local para ajoelhar e orar. É para agradecer mesmo. Afinal, chegar até ali é um milagre.
Depois de muitos outros aclives e declives, lindas paisagens e tempestades de final de tarde que encharcavam roupas, meias, tênis e gelavam o corpo, a noite me alcançou. Na última vez em que estive com o carro de apoio, não peguei a jaqueta corta vento e o colete noturno, pois tinha o plano de fechar a prova ainda durante o dia. Ledo engano! A essa altura, eu descia os paredões de costas, pois a dor nos joelhos e nos quadríceps era intensa e fui descobrindo que tal método amenizava o castigo à minha musculatura. Graças a Deus encontrei minha lanterna no fundo da mochila e pude continuar, ainda com um pouco de água e alguns damascos que haviam sobrado no bolso.
Saindo de Consolação, passei por um longo trecho asfaltado e plano, depois voltei à realidade dos morros. Virei para a direita, enfrentei outra longa subida, virei para a esquerda e comecei a descer. Já era possível ver as luzes da cidade da chegada e a alegria tomou conta de mim. Fiquei animado, mas ainda faltavam cerca de cinco quilômetros de pirambeiras pela frente. Os trechos finais reservam a parte mais difícil da prova, com subidas e descidas muito íngremes. Uma loucura!
Enfim, às 21h51 do sábado, dia 18, alcancei a cidade de Paraisópolis. O nome é perfeito, um paraíso para quem se lança nesta maravilhosa jornada. Foram mais de 37 horas de muitas emoções. Uma experiência inesquecível, sem dúvida, a mais dura corrida da qual já participei. “Uma prova digna”, é certo, um exercício para testar ao extremo os limites do corpo e da mente.
Não quero usar de falsa modéstia. Após concluir a BR 135, me sinto um casca grossa. O índice de desistência desta ultramaratona é muito grande. Em 2014, mais de um terço dos atletas que começaram a prova não conseguiram concluí-la (de 130 atletas da categoria solo foram apenas 85 concluintes).
Parabéns a todos os ultramaratonistas, às equipes de apoio e aos organizadores.
Parabéns ao grande Bonatto! Obrigado por ter sido meu companheiro neste caminho!
Obrigado aos maravilhosos Rafa e Carol. Sem vocês, nada disso seria possível.
Obrigado à minha linda, companheira e parceira, que torce incondicionalmente pelo meu sucesso e está sempre superpreocupada com as maluquices do seu marido e, agora, finisher da Brazil 135 Ultramarathon no Caminho da Fé.
Beijos, minha linda.
quinta-feira, 11 de julho de 2013
A história dos 100

Ir a Brasília e correr 100 quilômetros foi um desafio arrojado.
Não conseguiria jamais concluir a aventura sozinho. O apoio veio de todos os lados: de pessoas e empresas que acreditaram que eu poderia sobreviver a tal insanidade e me auxiliaram com proventos financeiros e dicas valiosas, com abraços e brados de boa sorte, com curtidas, twitadas, e-mails e muitos pensamentos positivos.
Levei esses incentivos comigo e, nos momentos mais difíceis da prova, quando as pernas fraquejaram, a lembrança de toda fé, todo carinho e amor me fez prosseguir. Quando a Volta do Lago Caixa começou pra valer, lá pelo quilômetro 75, muitos estavam ali, de mãos dadas comigo, em pensamento.
Cheguei à capital federal no sábado à tarde, depois de passar a manhã toda no aeroporto, em Curitiba. Em Brasília, a primeira tarefa foi abastecer o carro de apoio com água, frutas, gelo, pão etc.
A largada da maratona estava prevista para as 5h30. Assim, o despertar no domingo, 9 de junho, foi por volta das 4h e o café da manhã se resumiu a suco de caixinha e bisnaguinhas com queijo.
Os primeiros quilômetros foram tensos, pois tive alguns imprevistos antes da largada. Felizmente, logo foram superados. Afinal, a labuta estava apenas no começo e eu estava obstinado a ultrapassar a linha de chegada.
O início da ultra se deu ainda na escuridão, tendo como cenário a bela arquitetura iluminada do Niemeyer. Integrei um pequeno pelotão de cerca de nove atletas, que se manteve à frente. O ritmo foi comedido, pois, na minha estreia em uma prova de 100 quilômetros, achei de bom tom ser cauteloso. O pace do pelotão se mantinha entre 4'25” e 4'35”/km. Passado algum tempo, o atleta nº 13 tomou a dianteira e eu, que nesse momento tinha meus ombros livres da mochila (abastecida com todos os suplementos) que precisei carregar até o quilômetro sete, fiquei mais leve e tranquilo. Emparelhei com o atleta e segui liderando a prova com ele.
Fizemos amizade naqueles trechos que corremos juntos, batemos papo, tiramos fotos, agradecemos a Deus, em alta voz, pelas belezas da natureza e, enquanto o sol nascia ao nosso lado, nos ajudamos mutuamente. Aureliano foi um grande companheiro de prova. Apesar de toda a animação, o ritmo de corrida nesse momento era de 4’20”/km. Ritmo forte, afinal, à frente restavam ainda um pouco menos de 80 km. Depois de uma subida íngreme, na altura do quilômetro 30, meu companheiro reduziu o passo. Daí em diante, segui sozinho na liderança.
Encontrei algumas boas retas e descidas. Aumentei ainda mais a velocidade e, em alguns quilômetros, o pace se manteve em 4’/km, quando consegui abrir boa vantagem do segundo pelotão, me distanciando cerca de 1,5 quilômetro.
Desde o início da prova, fui bastante cuidadoso com a alimentação e a hidratação. A Roberta e o Hélio, meus anjos em Brasília, foram ótimos apoiadores, me dando suporte, me incentivando e registrando todos os momentos da prova.
Por volta do quilômetro 60, na longa subida da represa do Lago Paranoá, dei a primeira caminhadinha de alguns metros e pude relaxar o esqueleto já cansado. O sol estava forte e o ritmo começou a cair. Num ponto de retorno em que os atletas se encontravam, próximo do quilômetro 75, observei que um corredor de camiseta amarela vinha em ritmo forte, no meu encalço, a pouco mais de quatrocentos metros. Confesso que sonhava com a vitória, porém, quando percebi a aproximação do segundo colocado, em ritmo bem melhor que o meu, esmoreci.
Após o quilômetro 80, o percurso incluiu a travessia por baixo de algumas pontes, descendo pequenas ladeiras acentuadas e voltando a subir do outro lado das pontes. Com a musculatura já em frangalhos e as cãibras se manifestando, numa dessas travessias, na altura do quilômetro 85, o atleta de camiseta amarela me ultrapassou. Cortês, quando passou por mim, me desejou boa sorte e seguiu, assumindo a liderança. Nesse momento, sabia apenas que ele era um dos 34 ultramaratonistas guerreiros da Volta do Lago. Mais tarde, descobri que ele era muito mais do que isso. Sem forças para reagir, segui na segunda colocação. Nessa altura da competição, percebi que as grandes distâncias demandam estratégias bem elaboradas, sendo fundamental conhecer o próprio ritmo, as condições da prova e, também, o pace dos adversários.
Faltando pouco mais de dez quilômetros para o final da prova, restava somente “a capa da gaita” e, assim, caminhei ainda algumas vezes nas últimas subidas. Nesse trecho derradeiro, o carro de apoio não podia acompanhar os atletas e, providencialmente, conheci o Fábio, amigo do ultramaratonista Juvan e ciclista da região, que passou a me acompanhar. Ele me incentivou muito, pois o líder da prova não abriu grande vantagem, estava cerca de quatrocentos metros à minha frente e, por algumas vezes, também caminhou. Apesar da motivação, eu não tinha condições de reagir. Mas segui firme e satisfeito com meu desempenho.
Agradecido a Deus e a todos que me incentivaram, cruzei a linha de chegada a bordo do meu tradicional aviãozinho. Que alegria!!! Sete horas e trinta e sete minutos após a largada, concluí os 100 duros quilômetros da ultramaratona do Lago Paranoá. O sorriso no rosto revelava mais do que felicidade, revelava o alcance com louvor da meta estabelecida nos treinos: ser sub 8 horas nos 100 quilômetros.
Depois de momentos de euforia, de comemoração e de uma breve refeição, subi ao pódio ao lado do atleta que usava uma camiseta amarela durante a prova. O corredor franzino, de poucas palavras, é nada mais, nada menos que o grande Eduardo Calixto, ultramaratonista experiente, bicampeão e recordista da tradicional BR-135, ultramaratona de 217 km que acontece na Serra da Mantiqueira. Minha conquista se tornou mais valorosa ainda por ser dividida com um atleta tão importante.
Para fechar o dia com chave de ouro, o Alexander (primo da Vivi, que tive o prazer de conhecer lá em Brasília e, gentilmente, foi me receber na chegada da prova) me mostrou os mais belos pontos turísticos da capital. Então, me reencontrei com a Brasília iluminada do Niemeyer.
Voltei para casa com a sensação de dever cumprido. Foi uma bela corrida, com fortes emoções, do início ao fim. Fiz o meu melhor e colhi um ótimo resultado. Fiquei muito feliz por ter suportado o ritmo, o que comprova que ainda posso colher bons frutos nesta nova modalidade que abracei.
Também experimentei novas amizades e desfrutei do companheirismo que impera em provas de endurance, nas quais as dificuldades e os sacrifícios são divididos por todos, que se ajudam como podem.
Espero em 2014 voltar a Brasília, desta vez com minha amada, para participar novamente da bela aventura ao redor do Lago Paranoá.
Beijos, minha linda.
terça-feira, 7 de maio de 2013
A névoa brotava do lago que parecia um caldeirão.
Os 7º C indicados pelo termômetro não foram obstáculo para os frequentadores do gelado Parque Barigui (pelo menos nesta manhã).
Cheguei ao parque e fui cumprindo minha missão do dia, vencendo um a um os catorze tirinhos de mil metros, com intervalos de 60 segundos.
Mesmo nesta fase de longas distâncias, é preciso manter um pouco de dignidade no ritmo das passadas, então, a solução é atirar-se nos intervalados.
Suportar o vento gelado no rosto foi quase tão sofrido quanto o trabalho das pernas para manter o ritmo pretendido. O ar frio que entrava pelos pulmões me enrouqueceu a voz.
Lá pelas 7h30, o sol já brilhava, espalhando a neblina e me permitindo desdobrar uma das mangas da blusa de lã.
Findado mais um bom treino com nível de esforço e objetivo alcançados, segui para casa, programando uma breve reconstituição e, então, a sequência do dia de trabalho. No caminho, uma visão me motivou um largo sorriso: minha linda, elegantemente vestida com sua camiseta Nike pink, seguia sorridente no sentido contrário, em direção ao parque, para iniciar seu treino do dia.
É a vida corrida aquecendo mais uma manhã que começa cinza e segue lindamente ensolarada.
Beijos, minha linda.
terça-feira, 12 de março de 2013
Construindo uma campeã

Mesmo com meu guarda-chuva velho de guerra, não consegui abrigo da tempestade que se precipitava sobre a capital naquele domingo, então, caminhei até um ponto de ônibus próximo. Ele ficava bem no final de uma das grandes subidas da Cândido Hartmann. Mal cheguei ao ponto e já avistei, em meio à nuvem de água, uma garota correndo forte, toda ensopada pela chuva e determinada a concluir seu treino, alheia às condições climáticas. Fui até ela, entreguei gel e água e recebi seu costumeiro largo sorriso de brinde – uma linda! Ela fez sua hidratação e reposição e seguiu seu percurso, com passadas firmes, pois ainda restavam 17 km para finalizar o longuinho de 25 km, previsto para o dia.


Para o período de base deste 2013, planejamos dois meses de treinos privilegiando os trabalhos em aclive, declive e areia, rodagens em estradas de terra batida, musculação e, é claro, algumas sessões de intervalados, para manter a animação, afinal, velocidade é sempre importante.




Trabalhamos com treinos de corrida em quatro dias da semana e com dois dias de treinos de musculação. Apesar de serem apenas quatro corridas semanais neste período, procuramos mesclá-las bem, com treinos variados de força, resistência e velocidade. No sábado, normalmente, havia uma exaustiva sessão de tiros e, no domingo, uma rodagem de 20 a 25 km.


A ideia de a Vivi participar da K21 Curitiba foi concretizada a 20 dias da prova, pois a competição se encaixava exatamente no final do ciclo de base: uma meia maratona em percurso de trilhas, montanhas e muito verde, diferente do que será usado nos treinos seguintes, para a Maratona de Porto Alegre.
Apesar do seu receio de não ter treinado adequadamente para a disputa, observamos que, durante a base, foram realizados bons treinos de cross country, em percursos com subidas e até um último treino de intervalados em subidas, sobre a grama, em um dos lados do bosque do Parque Barigui.
Quando fui até o km 20 do percurso da K21 Curitiba, não precisei esperar muito e surgiu a primeira colocada da prova, a minha linda, Viviane Baggio, sorridente e com as mesmas passadas resolutas dos treinos suados e molhados. Entreguei a ela um gel, um copo de água gelada e um largo sorriso — já vislumbrava sua vitória. Ela estava sozinha na liderança e pronta para correr outros 21 km se necessário fosse.
A partir dali, tive a certeza de que cruzaria a linha de chegada em primeiro lugar, coroando todo o trabalho e a dedicação de uma vida no esporte. Lembrei-me também daquele outro domingo, no qual ela treinou firme, indiferente à chuva e ao treino intervalado do dia anterior. As primeiras passadas de uma vitória são dadas ainda em nossa mente determinada a fazer o melhor.


O período de base foi concluído com extremo sucesso, agora, rumamos às novas passadas.
Sou muito grato por poder participar das suas vitórias, meu amor.
Beijos, minha linda.
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