terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Mundial de 100 km?! Vai se Qatar!



Era a última volta. O telão gigante colocado ao lado da linha de chegada registrava que havia completado 19 voltas no percurso. Olhei para o meu Garmin, já quase sem espaço para tantos quilômetros, e ele me mostrou que, se apertasse o passo, conseguiria fechar a prova em menos de oito horas. Segui pisando firme e decidido a acelerar. Reta, curva para a esquerda, outra reta, curva para a direita, tomei um fôlego, peguei ainda um derradeiro copo de coca-cola gelada e sorrindo, pela última vez naquela competição, passei pelo posto de apoio da equipe brasileira, que estava a um quilômetro da linha de chegada. Vislumbrando o fim da prova, gritei para o professor Mariano: “a bandeira!!”. Ele disse: “o Marcio já levou! Já está lá!”. Fiquei indignado por uns 15 segundos, havia planejado chegar com a bandeira do Brasil...
Tentei acelerar outra vez. Passei por mais algumas curvas fechadas e, finalmente, encontrei a reta da chegada. Que alegria! Naquele momento, revi em pensamento tudo que me levou até as Arábias. No início do funil, estava o Marcio. Sorrindo, ele me entregou a bandeira do Brasil e me deu parabéns! Agradeci e segui no tradicional aviãozinho de chegada, tendo a felicidade estampada num largo sorriso de satisfação e de euforia por mais um sonho realizado.


Esta história começou em agosto com o gesto solidário de um amigo, durante outra ultramaratona (os 105 km entre as cidades de Morretes e Guaraqueçaba). Foi lá que conheci o Yan, vice-campeão da prova, o qual me disse: “você tem um ritmo bom. Um amigo de Santos está montando uma equipe para o mundial de 100 km e está precisando de um atleta. Você gostaria de participar? Posso indicar seu nome”. Gentilmente, ele fez isso. Dias depois, estava eu em contato com o Marcio, o amigo do Yan, para saber mais detalhes sobre o mundial. Foi um gesto nobre e generoso que deu início ao meu sonho de participar de um mundial de ultramaratona do outro lado do planeta.


A qualificação para a participação no mundial foi o resultado alcançado na Volta do Lago em 2013. A estreia nos 100 km me levou para a estreia em provas internacionais.
Mas as boas conquistas nunca são fáceis. Seguiram-se muitos telefonemas, e-mails, mensagens, conversas com a CBAt e com o professor Mariano e o Susso. Apenas poucos dias antes da viagem tive nas mãos as passagens para Doha, capital do Qatar. Tudo começou com um “será?” e, enfim, estava ali a materialização de que o mundial iria acontecer para mim.
Uma possibilidade ventilada em agosto durante um bate-papo pós-ultra, quando estava ainda meio atordoado, se concretizou, em novembro, em uma grande emoção. Eu me tornei um dos integrantes do “Quarteto Fantástico”, apelido criado pela minha esposa linda e talentosa, que colaborou para a promoção do grupo nas redes sociais.
Assim um fato inédito e histórico se deu: pela primeira vez, uma delegação brasileira disputou um mundial de ultramaratona. O dedicado time foi composto por dez integrantes:
• Oscar Susso e Claudio Levi foram os coordenadores da delegação.
• Léo e Marcão integraram a equipe de reportagem.
• Os professores Herói Fung e Mariano Moraes formaram a comissão técnica.
• E os atletas Marcio de Oliveira, Sinval Moreira, Eduardo Calisto e Marcos Paulo Espirito Santo entraram na pista para defender a camisa brasileira.


Um projeto grandioso como esse é muito bonito, porém muito caro. Tudo só foi possível pela boa vontade dos amigos e das empresas que patrocinaram a viagem da delegação. O Susso e o Claudio suaram a camisa até os "45 minutos do segundo tempo", sem descanso, dia e noite, para conseguir os patrocínios. Há muito a agradecer à Sysbuilding e à Senpar Terras, empresas que possibilitaram que toda a delegação estivesse no Qatar, representando o Brasil.


Eu também contei com o apoio e o patrocínio de dois grandes amigos, parceiros que acreditaram em mim e colocaram a mão no bolso para me ajudar a realizar este sonho. Tenho muito a agradecer à Transoft e à Natucoco, empresas que dão exemplo e apoiam o esporte.



Chegar a Doha foi um longo caminho, que incluiu mais de 20 horas de viagem aérea. A capital do Qatar é uma cidade diferente de tudo que já vi, com construções imponentes, muito cinza e bege por todos os lados. Seus moradores são personagens bastante distintos de nós brasileiros: as mulheres usam trajes negros, que as cobrem dos pés à cabeça, deixando à mostra apenas seus olhos; os homens usam longas túnicas brancas e passeiam pelas ruas segurando suas masbahas (espécie de terço). O povo desse país árabe é mais tenso e sério do que nós brasileiros e busca se abrir para o mundo através do esporte.


Aterrissamos em Doha em 19 de novembro. A corrida teve início no dia 21, às 18h. O horário foi escolhido para tentar amenizar o clima enfrentado pelos atletas. No inverno de Doha, o calor chega a 40º C durante o dia.
Quando foi dada a largada para o 27º IAU Championships Ultramarathon 100 km, a temperatura era de cerca de 24º C e a umidade era baixa. A prova aconteceu dentro do Complexo Esportivo Aspire, num percurso que incluiu 20 voltas de 5 km. Os atletas usavam um chip para o registro das voltas. No trajeto, havia cerca de seis curvas fechadas e o piso era 70% de calçada e os outros 30% de asfalto.


Comecei a prova pensando no bate-papo com meu técnico, o professor Siqueira. Ele me orientou a segurar o ritmo no início, acelerar no meio e finalizar! No desenrolar das passadas, foi mais ou menos isso que aconteceu. Mas após 50 km de prova, com 3h43min, já me sentia bastante desgastado e ainda estava apenas na metade da minha aventura. Tive de parar duas vezes para o mestre Herói Fung “desembolar” minhas panturrilhas.
A segunda parte da prova foi mais sofrida. Precisei incluir o consumo de anti-inflamatório e de coca-cola e recorrer a algumas caminhadas para tomar fôlego, seguindo o padrão de esforço extremo empregado nas ultramaratonas.
Por fim, alheio a todas as adversidades e concentrado no objetivo de completar mais este desafio, cruzei a linha de chegada eufórico, após 8h02min, na 66ª posição geral, ajudando o time brasileiro a conquistar a 14ª colocação entre as 39 delegações presentes no mundial.


Depois de concluir esta tão importante competição, fiz um balanço dos últimos 12 meses e constatei que eles foram animados.
• 122 km da Ultramaratona Paraná 12 h (dez. 2013)
• 217 km da BR 135 Ultramarathon (jan. 2014)
• 100 km da Volta do Lago (jun. 2014)
• 105 km da Ultramaratona Morretes-Guaraqueçaba (ago. 2014)
• 100 km do Mundial de Ultramaratona (nov. 2014)
Além das ultras, fiz três duras provas de montanha.


O objetivo era correr mais rápido neste mundial, mas o cansaço me pegou e o que consegui foi o meu melhor no momento.
Faço um agradecimento especial a Deus por tudo e à minha amada esposa Vivi pela paciência e por me ajudar e me acompanhar sempre. Agradeço também a todos os amigos e amigas que torceram, incentivaram, comentaram, curtiram e enviaram pensamentos positivos e orações. Fico emocionado e lisonjeado com todo o carinho que recebo.
Como já mencionei, esta foi minha primeira prova fora do país e voltei para casa com o entusiasmo renovado. Copio aqui as palavras da atleta Ellie Greenwood, campeã do mundial de ultramaratona de 2014: “estou feliz, mas gosto de pensar que tenho um tempo melhor de 100 km dentro de mim”. Vou em busca dele!
Não posso deixar de citar os grandes troféus da viagem: os amigos valiosos que conquistei. Nós nos conhecemos no mesmo dia do início da nossa aventura e passamos uma semana juntos, como uma família; sempre unidos, sorrindo, chorando e lutando para representar da melhor forma possível o nosso país.


Gostei muito de estar em uma competição tão grandiosa e, em 2015, o destino é a Holanda.


O novo projeto já começou!

Beijos, minha linda.

Fotos: Mariano Moraes, Brazilian Ultrarunners, Aspire.