quinta-feira, 11 de julho de 2013

A história dos 100



Ir a Brasília e correr 100 quilômetros foi um desafio arrojado.
Não conseguiria jamais concluir a aventura sozinho. O apoio veio de todos os lados: de pessoas e empresas que acreditaram que eu poderia sobreviver a tal insanidade e me auxiliaram com proventos financeiros e dicas valiosas, com abraços e brados de boa sorte, com curtidas, twitadas, e-mails e muitos pensamentos positivos.
Levei esses incentivos comigo e, nos momentos mais difíceis da prova, quando as pernas fraquejaram, a lembrança de toda fé, todo carinho e amor me fez prosseguir. Quando a Volta do Lago Caixa começou pra valer, lá pelo quilômetro 75, muitos estavam ali, de mãos dadas comigo, em pensamento.
Cheguei à capital federal no sábado à tarde, depois de passar a manhã toda no aeroporto, em Curitiba. Em Brasília, a primeira tarefa foi abastecer o carro de apoio com água, frutas, gelo, pão etc.
A largada da maratona estava prevista para as 5h30. Assim, o despertar no domingo, 9 de junho, foi por volta das 4h e o café da manhã se resumiu a suco de caixinha e bisnaguinhas com queijo.
Os primeiros quilômetros foram tensos, pois tive alguns imprevistos antes da largada. Felizmente, logo foram superados. Afinal, a labuta estava apenas no começo e eu estava obstinado a ultrapassar a linha de chegada.


O início da ultra se deu ainda na escuridão, tendo como cenário a bela arquitetura iluminada do Niemeyer. Integrei um pequeno pelotão de cerca de nove atletas, que se manteve à frente. O ritmo foi comedido, pois, na minha estreia em uma prova de 100 quilômetros, achei de bom tom ser cauteloso. O pace do pelotão se mantinha entre 4'25” e 4'35”/km. Passado algum tempo, o atleta nº 13 tomou a dianteira e eu, que nesse momento tinha meus ombros livres da mochila (abastecida com todos os suplementos) que precisei carregar até o quilômetro sete, fiquei mais leve e tranquilo. Emparelhei com o atleta e segui liderando a prova com ele.


Fizemos amizade naqueles trechos que corremos juntos, batemos papo, tiramos fotos, agradecemos a Deus, em alta voz, pelas belezas da natureza e, enquanto o sol nascia ao nosso lado, nos ajudamos mutuamente. Aureliano foi um grande companheiro de prova. Apesar de toda a animação, o ritmo de corrida nesse momento era de 4’20”/km. Ritmo forte, afinal, à frente restavam ainda um pouco menos de 80 km. Depois de uma subida íngreme, na altura do quilômetro 30, meu companheiro reduziu o passo. Daí em diante, segui sozinho na liderança.


Encontrei algumas boas retas e descidas. Aumentei ainda mais a velocidade e, em alguns quilômetros, o pace se manteve em 4’/km, quando consegui abrir boa vantagem do segundo pelotão, me distanciando cerca de 1,5 quilômetro.
Desde o início da prova, fui bastante cuidadoso com a alimentação e a hidratação. A Roberta e o Hélio, meus anjos em Brasília, foram ótimos apoiadores, me dando suporte, me incentivando e registrando todos os momentos da prova.


Por volta do quilômetro 60, na longa subida da represa do Lago Paranoá, dei a primeira caminhadinha de alguns metros e pude relaxar o esqueleto já cansado. O sol estava forte e o ritmo começou a cair. Num ponto de retorno em que os atletas se encontravam, próximo do quilômetro 75, observei que um corredor de camiseta amarela vinha em ritmo forte, no meu encalço, a pouco mais de quatrocentos metros. Confesso que sonhava com a vitória, porém, quando percebi a aproximação do segundo colocado, em ritmo bem melhor que o meu, esmoreci.


Após o quilômetro 80, o percurso incluiu a travessia por baixo de algumas pontes, descendo pequenas ladeiras acentuadas e voltando a subir do outro lado das pontes. Com a musculatura já em frangalhos e as cãibras se manifestando, numa dessas travessias, na altura do quilômetro 85, o atleta de camiseta amarela me ultrapassou. Cortês, quando passou por mim, me desejou boa sorte e seguiu, assumindo a liderança. Nesse momento, sabia apenas que ele era um dos 34 ultramaratonistas guerreiros da Volta do Lago. Mais tarde, descobri que ele era muito mais do que isso. Sem forças para reagir, segui na segunda colocação. Nessa altura da competição, percebi que as grandes distâncias demandam estratégias bem elaboradas, sendo fundamental conhecer o próprio ritmo, as condições da prova e, também, o pace dos adversários.


Faltando pouco mais de dez quilômetros para o final da prova, restava somente “a capa da gaita” e, assim, caminhei ainda algumas vezes nas últimas subidas. Nesse trecho derradeiro, o carro de apoio não podia acompanhar os atletas e, providencialmente, conheci o Fábio, amigo do ultramaratonista Juvan e ciclista da região, que passou a me acompanhar. Ele me incentivou muito, pois o líder da prova não abriu grande vantagem, estava cerca de quatrocentos metros à minha frente e, por algumas vezes, também caminhou. Apesar da motivação, eu não tinha condições de reagir. Mas segui firme e satisfeito com meu desempenho.


Agradecido a Deus e a todos que me incentivaram, cruzei a linha de chegada a bordo do meu tradicional aviãozinho. Que alegria!!! Sete horas e trinta e sete minutos após a largada, concluí os 100 duros quilômetros da ultramaratona do Lago Paranoá. O sorriso no rosto revelava mais do que felicidade, revelava o alcance com louvor da meta estabelecida nos treinos: ser sub 8 horas nos 100 quilômetros.



Depois de momentos de euforia, de comemoração e de uma breve refeição, subi ao pódio ao lado do atleta que usava uma camiseta amarela durante a prova. O corredor franzino, de poucas palavras, é nada mais, nada menos que o grande Eduardo Calixto, ultramaratonista experiente, bicampeão e recordista da tradicional BR-135, ultramaratona de 217 km que acontece na Serra da Mantiqueira. Minha conquista se tornou mais valorosa ainda por ser dividida com um atleta tão importante.



Para fechar o dia com chave de ouro, o Alexander (primo da Vivi, que tive o prazer de conhecer lá em Brasília e, gentilmente, foi me receber na chegada da prova) me mostrou os mais belos pontos turísticos da capital. Então, me reencontrei com a Brasília iluminada do Niemeyer.


Voltei para casa com a sensação de dever cumprido. Foi uma bela corrida, com fortes emoções, do início ao fim. Fiz o meu melhor e colhi um ótimo resultado. Fiquei muito feliz por ter suportado o ritmo, o que comprova que ainda posso colher bons frutos nesta nova modalidade que abracei.
Também experimentei novas amizades e desfrutei do companheirismo que impera em provas de endurance, nas quais as dificuldades e os sacrifícios são divididos por todos, que se ajudam como podem.
Espero em 2014 voltar a Brasília, desta vez com minha amada, para participar novamente da bela aventura ao redor do Lago Paranoá.
Beijos, minha linda.


terça-feira, 7 de maio de 2013

A névoa brotava do lago que parecia um caldeirão.



Os 7º C indicados pelo termômetro não foram obstáculo para os frequentadores do gelado Parque Barigui (pelo menos nesta manhã).
Cheguei ao parque e fui cumprindo minha missão do dia, vencendo um a um os catorze tirinhos de mil metros, com intervalos de 60 segundos.
Mesmo nesta fase de longas distâncias, é preciso manter um pouco de dignidade no ritmo das passadas, então, a solução é atirar-se nos intervalados.
Suportar o vento gelado no rosto foi quase tão sofrido quanto o trabalho das pernas para manter o ritmo pretendido. O ar frio que entrava pelos pulmões me enrouqueceu a voz.
Lá pelas 7h30, o sol já brilhava, espalhando a neblina e me permitindo desdobrar uma das mangas da blusa de lã.
Findado mais um bom treino com nível de esforço e objetivo alcançados, segui para casa, programando uma breve reconstituição e, então, a sequência do dia de trabalho. No caminho, uma visão me motivou um largo sorriso: minha linda, elegantemente vestida com sua camiseta Nike pink, seguia sorridente no sentido contrário, em direção ao parque, para iniciar seu treino do dia.
É a vida corrida aquecendo mais uma manhã que começa cinza e segue lindamente ensolarada.
Beijos, minha linda.

terça-feira, 12 de março de 2013

Construindo uma campeã




Mesmo com meu guarda-chuva velho de guerra, não consegui abrigo da tempestade que se precipitava sobre a capital naquele domingo, então, caminhei até um ponto de ônibus próximo. Ele ficava bem no final de uma das grandes subidas da Cândido Hartmann. Mal cheguei ao ponto e já avistei, em meio à nuvem de água, uma garota correndo forte, toda ensopada pela chuva e determinada a concluir seu treino, alheia às condições climáticas. Fui até ela, entreguei gel e água e recebi seu costumeiro largo sorriso de brinde – uma linda! Ela fez sua hidratação e reposição e seguiu seu percurso, com passadas firmes, pois ainda restavam 17 km para finalizar o longuinho de 25 km, previsto para o dia.





Para o período de base deste 2013, planejamos dois meses de treinos privilegiando os trabalhos em aclive, declive e areia, rodagens em estradas de terra batida, musculação e, é claro, algumas sessões de intervalados, para manter a animação, afinal, velocidade é sempre importante.









Trabalhamos com treinos de corrida em quatro dias da semana e com dois dias de treinos de musculação. Apesar de serem apenas quatro corridas semanais neste período, procuramos mesclá-las bem, com treinos variados de força, resistência e velocidade. No sábado, normalmente, havia uma exaustiva sessão de tiros e, no domingo, uma rodagem de 20 a 25 km.





A ideia de a Vivi participar da K21 Curitiba foi concretizada a 20 dias da prova, pois a competição se encaixava exatamente no final do ciclo de base: uma meia maratona em percurso de trilhas, montanhas e muito verde, diferente do que será usado nos treinos seguintes, para a Maratona de Porto Alegre.
Apesar do seu receio de não ter treinado adequadamente para a disputa, observamos que, durante a base, foram realizados bons treinos de cross country, em percursos com subidas e até um último treino de intervalados em subidas, sobre a grama, em um dos lados do bosque do Parque Barigui.



Quando fui até o km 20 do percurso da K21 Curitiba, não precisei esperar muito e surgiu a primeira colocada da prova, a minha linda, Viviane Baggio, sorridente e com as mesmas passadas resolutas dos treinos suados e molhados. Entreguei a ela um gel, um copo de água gelada e um largo sorriso — já vislumbrava sua vitória. Ela estava sozinha na liderança e pronta para correr outros 21 km se necessário fosse.
A partir dali, tive a certeza de que cruzaria a linha de chegada em primeiro lugar, coroando todo o trabalho e a dedicação de uma vida no esporte. Lembrei-me também daquele outro domingo, no qual ela treinou firme, indiferente à chuva e ao treino intervalado do dia anterior. As primeiras passadas de uma vitória são dadas ainda em nossa mente determinada a fazer o melhor.





O período de base foi concluído com extremo sucesso, agora, rumamos às novas passadas.
Sou muito grato por poder participar das suas vitórias, meu amor.
Beijos, minha linda.


segunda-feira, 4 de março de 2013

Um drinque no Morro da Palha




Em 2010, a paixão da minha vida se inscreveu para a K42 Bombinhas Adventure Marathon. No desejo de experimentar novas aventuras, o MP se embrenhou nas corridas de montanha. Participou de algumas etapas do Circuito Paranaense de Corridas de Montanha organizado pela Naventura (esteve no pódio em todas elas, novidade, rs) e seguiu para “a maratona mais bela e mais desafiadora do país”. Não fez a prova que gostaria, provavelmente, o período de treino foi curto, ele não se diverte correndo em ritmos mais lentos, como exige esse tipo de prova, talvez não fosse o “seu” dia (está aí a beleza das maratonas, sua não previsibilidade). Enfim, a K42 ficou “entalada” na sua garganta e a vontade de fazê-la novamente, bem treinado, se mantém desde então. E desde então também, ele vem tentando me seduzir para a K42.



Até pouco tempo atrás, as provas de montanha não me entusiasmavam. Vários amigos já foram conquistados por essa modalidade de corrida e o motivo mais recorrente para isso é “cansei do asfalto”. Eu justifico meu percurso diferente afirmando “ah, mas eu ainda gosto tanto do asfalto...”.
O MP, que é grande fã da variação de terreno nos treinos e adora dar uma fugidinha do asfalto sempre que possível, me apresentou lindos percursos de estrada de chão. Gostei muito, fizemos ótimos treinos e algumas provas de cross country. Sem dúvida, belas paisagens deixam qualquer treino mais interessante.



Neste ano, para apimentar um pouco mais minha (nossa) vida, ele me surpreendeu com um singelo presente. Vinte dias antes da K21 Half Adventure Marathon, me avisou:
— Vamos fechar seu período de treino de base com chave de ouro, fiz sua inscrição para a K21.
— O quê?!!! — perguntei. — Eu apenas afirmei que deveria ser uma bela prova; as imagens divulgadas são sedutoras...
— Então, é sem compromisso. Você precisa fazer uma meia maratona para concluir este ciclo de treino. Você vai se divertir. Mas claro, prova é prova... — me provocou sutilmente, como de costume.
Recuperada do susto, respondi nervosinha:
— Ok, mas não vou correr forte. Meu alvo é a Maratona de Porto Alegre e eu não quero me machucar em uma prova para a qual não treinei adequadamente. Essa não é qualquer provinha.
Como sempre, meu amor concordou, mas os planos maquiavélicos continuavam fervilhando na sua mente predadora de campeão.



Tentei não me informar muito sobre a corrida (ao menos, até onde minha curiosidade permitiu), pois nenhuma palavra que eu ouvia ou lia sobre ela, mesmo sem querer, me trazia notícias tranquilizadoras. Em corrida de montanha, “quanto pior, melhor”, esse é o lema, e os corredores se deliciam com tal fantasminha.



E assim, sem compromisso e sem expectativas (minha ingênua pessoa pensava dividir essa ideia com meu incentivador-mor), o MP e eu seguimos para o Parque Ecológico Ouro Fino, em Campo Largo. Recuperando-se de uma lesão, desta vez, ele ficou nos bastidores, dando o melhor apoio do mundo, como sempre, fotografando e filmando os amigos corredores e se divertindo muito seja como for, seu padrão de comportamento.





Após abraços, beijos e festejos no encontro com os amigos, a tensão pré-largada foi o caminho natural e “pernas pra que te quero”, no momento, o antídoto mais apropriado. Um pequeno trecho de asfalto deu início à prova, depois dele a primeira trilha e dali em diante o entretenimento ininterrupto e de primeira qualidade só acabou na linha de chegada.
Trilha gramada, subida, descida, lama, estrada de chão, subida, subida, trilha de terra, subida, lama, descida, trilha com erosões e cascalhos, subida, subida, descida, subida, vista maravilhosa, trilha, subida, descida, córrego para refrescar as pernas e encher de água o tênis já cheio de lama, belo carreiro no meio da mata serrada, subida que parece não ter fim, trilhas, outras trilhas e mais trilhas, descida, subida, árvores que formam um túnel cercando o caminho, subida, descida, descida, trilha, carreira, estrada de chão, outra subida para manter a consistência, descida, um trecho de asfalto, mais uma bela subidinha, afinal, as pernas dos corredores precisam de mais esse incentivo e, finalmente, a linha de chegada. Essa foi a sinfonia oferecida aos bravos corredores pela K21 Half Adventure Marathon — Curitiba.



A natureza já estava ali, apenas esperando seus admiradores, mas, como bem se sabe, o sucesso de um evento esportivo depende de uma organização eficiente e nisso também a K21 foi impecável. Apoio, hidratação, sinalização do percurso, animação, respeito pelos corredores: tudo na medida certa!



















A paisagem lindíssima instigava a vontade de parar e contemplar a natureza, mas, para mim, não era possível, eu tinha pressa. O amor da minha vida estava me esperando e eu precisava retribuir o presente que recebi vinte dias antes.
Fui conquistando no percurso o regalo que lhe daria, minhas pernas seguiram fortes, o descompromisso me ajudou no início e tudo foi mais que perfeito. Minha estreia em corridas de montanha foi brindada com a vitória entre as mulheres (e minhas concorrentes, diga-se de passagem, eram feras!!). Poderia ser melhor?!



Não vou afirmar que a prova foi fácil, não mesmo. Mas também não foi a mais difícil que já fiz. A mais bela, sim, não há dúvidas!! Corri com alegria, com sorriso no rosto, porque o percurso merecia e porque meu maior incentivo em cada passada estava na minha mente e no meu coração, ouvindo aquela mesma sinfonia.



E, assim, os planos do MP mais uma vez foram bem-sucedidos. A K42 Bombinhas, agora, está bem mais pertinho de mim.
Beijos, meu amor.

Créditos das imagens: MP, exceto as fotos 2 (Naventura), 8 (Wladimir Togumi) e 19 (Nicholas Egoshi)