segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Agora endoidou de vez: ultramaratonista!



“Saiu nova parcial agorinha. Você está com 79,3 quilômetros e o segundo colocado com 75,4 quilômetros. Quer comer alguma coisa? Quer sopa, água, BCAA? Ah, meu amor, eu não sei se fico feliz por você ou preocupada com todo esse esforço” – disse minha linda, lá pelas 7h da matina, um tantinho depois do nascer do sol, às margens do lago do Recanto Marista.
Pensando bem, posso afirmar que a ideia de correr uma ultramaratona nasceu da falta de ter o que fazer. Neste ano de 2012, não participei de maratonas, somente de corridas de menor distância e também fiz treinos de velocidade, mas busquei um pouco de descanso das muitas provas dos anos anteriores. Confesso que estava desanimado com as competições, não conseguia reeditar os desempenhos anteriores e meus tempos estavam altos.
Numa dessas noites agradáveis do início de novembro, minha linda e eu navegávamos em blogs de moda, culinária, futebol e, claro, de corrida. Entre uma “zapeada” e outra, vimos o anúncio das ultramaratonas de 6 e 12 horas que aconteceriam em Almirante Tamandaré, no mês seguinte. Sem pensar muito, eu disse “opa, vou participar dessa corrida e quero fazer as 12 horas”. Meio descrente e acreditando se tratar de uma brincadeira, a Vivi fez minha inscrição e nossa equipe foi batizada de MP & Vivi. Uma brincadeira gostosa, da qual rimos bastante.


Já no dia seguinte, saí bem cedo para treinar, de caso pensado, motivado a participar de uma competição totalmente nova, desafiadora e que aconteceria em apenas quatro semanas. Pesquisando sobre ultramaratonas, descobri que o tempo mínimo necessário de preparação para esse tipo de prova são doze meses. Porém, com o corpo já calejado e amadurecido pelas décadas de corridas realizadas, achei que a experiência poderia dar certo. Paguei o boleto da inscrição no mesmo dia e, pronto, estava cadastrado para minha primeira ultramaratona.
Quando a Vivi começou a me ver saindo cedo para treinar – coisa rara nos últimos tempos, pois corria um dia sim, um dia não, outro também não – percebeu que eu realmente estava levando a sério aquela brincadeira. Contei, então, que já havia pago a inscrição e ela quase me bateu, hehehe. Claro, preocupada com minha saúde, afinal, eu estava correndo cerca de 60 km por semana e, em um mês, queria me preparar para uma ultra!


Fiz o que pude, sem saber bem o que fazer. Passei a ir para o trabalho correndo e voltar para casa por novos caminhos. Treinava entre 20 e 30 quilômetros por dia. Rodei mais de 100 quilômetros semanais nesse período e complementei o treino com séries de fortalecimento muscular (muita repetição e pouca carga) na Fit Premium Batel, que me apoia nos treinos de musculação.
Passado o susto, minha Vivi estava confiante, sempre dizia que eu iria surpreender, que teria um ótimo resultado. Para me incentivar mais ainda, me presenteou com um belo par de tênis, especial para a ocasião. Isso tudo me dava ânimo para treinar e confiança de que poderia alcançar meu objetivo. Ao menos, terminaria aquela loucura impensável: correr por 12 horas.
Bem, não tinha mais volta, a inscrição estava paga e eu estava razoavelmente treinado. Na relação de inscritos, vi os nomes do Raphael Bonatto e do Daniel Meyer, dois feras. Portanto, já sabia que a competição seria acirrada e que teria de fazer algo diferente para acompanhar corredores fortes como eles.


A Vivi cuidou dos preparativos alimentares e suplementares. Eu, para variar, fazia corpo mole e só queria descansar, com a desculpa de que precisava guardar energia, hahaha. O Carlão, nosso sobrinho carinhoso, emprestou uma barraca para guardarmos os apetrechos durante a prova. Minha sogra querida, a dona Carmem, nos forneceu as cadeiras de praia, que se tornaram um marco na competição, pois simbolizaram o momento de recuperação. Ah, essas cadeiras...


E assim chegou o grande dia, a largada da competição estava agendada para as 21h de sábado e o encerramento para as 9h de domingo.
Durante todo o sábado, choveu muitíssimo em Curitiba, houve um temporal com ventos fortes e trovoadas. A previsão do tempo não era boa, deveria chover por toda a noite de sábado e na manhã de domingo também. Nada animador pensar em correr por 12 horas debaixo de chuva! Felizmente, já na saída de casa, a chuva havia dado uma trégua e não choveu mais nas horas seguintes.
Como é tradição, eu não tinha anotado as coordenadas para chegar ao local da prova. Tive de parar para pedir informação e rolou certa insegurança com o trajeto. Tudo normal em dia de prova, hehehe.
Enfim, chegamos ao Recanto Marista, um lugar muito bonito, com um lago e muitas árvores. Porém, de pronto, fomos avisados de que a chuva havia danificado o esquema de iluminação. Para não corrermos na escuridão total, o organizador da prova, Edgar, estava tentando de tudo e, por fim, faróis de carros ajudaram na iluminação ao longo do percurso. Em razão dessa nova estratégia, a largada foi atrasada por 55 minutos. Eu aproveitei esse tempo para descansar as pernas antes do início da correria.


E então, às 21h55, estavam os atletas todos prontos e alinhados. Não éramos muitos, apenas uns 30 ultramalucos. Eu estava mais atrás, ao lado do Marcelo Moraes, rindo nervosamente, pois não fazia ideia do que me esperava. Tinha somente uma certeza, pelo menos por 60 quilômetros eu aguentaria. Depois disso, somente Deus sabia o que iria acontecer. Afinal, não estava treinado para aquilo tudo.



No início e em grande parte da prova, era preciso correr olhando para o chão, pois a pista – 1.300 m de extensão em torno do lago – era uma estradinha de terra batida, com pedras soltas, grama, alguns buracos, algumas poças de água e um tantinho de lama. E isso tudo muito mal iluminado.
Eu não tinha uma estratégia definida. Já na largada, o Daniel saiu feito louco, correndo a cerca de 4’/km, quase ritmo de prova de dez quilômetros. O Marcelo foi atrás e eu pensei esses caras estão malucos, mas vou tentar acompanhá-los.
Os atletas mais fortes na categoria individual eram o Bonatto e o Daniel. O Bonatto definiu seu ritmo constante desde o início e eu sabia que ele é muito resistente, ou seja, não poderia correr ao lado dele, pois não teria a mesma resistência. O Daniel, por sua vez, estava uns trezentos metros à frente, correndo forte.


Então, comecei a traçar minha estratégia ali mesmo, no meio da prova. Pois é, não tinha muito o que fazer naquela noite inteirinha, além de correr e correr, hehehe. Defini que precisava jogar com as cartas que tinha na mão. Eu não era tão resistente como o Bonatto e o Daniel para correr por tanto tempo, assim, minha única saída era manter um ritmo mais forte, para abrir vantagem desde o início e fazer minhas paradas de descanso e suplementação. E foi dessa forma que agi, consegui dar uma volta sobre o Daniel apenas no quilômetro 21. Até lá, estava fazendo em média 4’10”/km e no quilômetro 29 fiz minha primeira parada.


Minha linda, que estava sempre atenta e não pregou os olhos um minuto sequer, veio em meu socorro, com água, Endurox e gelo, muito gelo. Ela passou gelo na minha panturrilha e colocou bolsas de gelo nos meus joelhos. O quadro das parciais indicava que eu estava com uma vantagem de cinco quilômetros em relação aos demais competidores. Então, deitei, comi purê de batata, abusei do descanso e lá fui eu para outras voltas.


A partir desse ponto, comecei a planejar paradas a cada 10 voltas, ou seja, a cada treze quilômetros. Havia projetado também correr num ritmo de 4’30”/km e estava conseguindo mantê-lo. Assim segui, correndo na escuridão, me automotivando com paradas estratégicas e mantendo a vantagem.
Não sabia por quanto tempo aguentaria, mas procurava não pensar. Meu corpo estava no piloto automático, era como um pêndulo, aproveitando a força da gravidade e gastando o mínimo de energia possível, somente se deslocando para frente, volta a volta, em meio à escuridão A cada seis ou sete minutos, recebia o apoio animado da minha linda, que esteve sempre cuidando de mim. Após 60 quilômetros, a Vivi correu várias voltas comigo. Foi uma delícia, eram cerca de quatro horas da madrugada, uma noite agradável e nós ali, correndo em torno de um belo lago e conversando. Quando, em outra ocasião qualquer, faríamos aquilo?



Passadas mais algumas horas e já corridos uns 75 quilômetros, não conseguia mais fazer paradas a cada 10 voltas. Ampliei o descanso e parei a cada cinco voltas, pois a recuperação estava mais difícil. Na primeira volta após a parada, eu estava todo travado e manquitolava um trotinho modesto por uns 300 metros até embalar novamente no ritmo. Quando estava na quinta volta, já ansiava pela cadeira de descanso e por receber amavelmente gelo na panturrilha.


Na parada seguinte, a Vivi me informou sobre minha colocação. Eu estava com 79,3 quilômetros e o Bonatto vinha na cola, com 74,5 quilômetros. Essa diferença me dava certa folguinha para descansar e seguir na minha estratégia de manter a diferença. A Vivi se desesperava ao ver meu estado deplorável a cada parada. Eu me jogava em frangalhos naquela cadeira de praia e, depois dos seus cuidados, saía quase novo em folha para mais um trecho. Sem saber se comemorava minha vantagem ou se entristecia por meu sofrimento, uma certeza ela possuía: eu estava determinado, pois sempre gostei de brigar pela vitória até o fim.


A partir daquele momento, fui “na raça”. Comentei com a Vivi que faltavam apenas dez tirinhos de cinco quilômetros para terminar a prova. Calculei que, pela velocidade que o Bonatto vinha mantendo e considerando que não fazia paradas, ele deveria concluir a prova com pouco menos de 120 quilômetros. Então, correndo mais uns 50 quilômetros a partir daquele momento, eu conseguiria vencer a competição. Que loucura! Já eram quase cinco horas da manhã, o dia estava amanhecendo, eu estava um caco, restava apenas “a capa da gaita”, já havia corrido 79 quilômetros e ainda planejava correr mais 50?! Era insanidade total, pensava eu, enquanto fechava mais uma volta.


Os vizinhos de barraca no modesto acampamento que firmamos foram cruciais para o desafio. A Vivi e eu, praticamente, assaltamos o isopor do Marcelo e do Ivan, que estavam correndo a prova de 12 horas em dupla. O Marcelo me ajudou muito quando me ofereceu um copo com sopa quente e revigorante, que me deu novo ânimo, e também um comprimido para dor, que me manteve firme na prova. Gestos de amizade e solidariedade como esses foram importantíssimos para mim.


Outro vizinho de acomodações foi o Biel Carpenter, que competiu na prova de 6 horas. Novo na corrida, o Biel ainda não havia concluído uma maratona e, já na sua primeira ultra-aventura, correu mais de 60 quilômetros. No seu apoio, estava o fiel amigo Mouse, uma figura impagável, que me ofereceu uma cuia de chimarrão em uma das minhas paradas, hehehe. Que beleza! O Mouse veio a Curitiba especialmente para acompanhar o Biel e também me incentivou muito a continuar lutando.


Ou seja, a Vivi estava muito bem acompanhada e não teve sono em nenhum momento, batendo altos papos com a turma animada que acampou no Recanto Marista.
Assim, o tempo foi passando, os quilômetros foram alcançados e, inexplicavelmente, eu continuava correndo e correndo, mantendo a diferença de três ou quatro voltas para o Bonatto. E nesse ritmo, foi rompida a barreira dos 100 quilômetros, faltando duas horas para o final da prova. Mas eu não tinha descanso, pois meu adversário vinha forte e determinado, então, seguia passada a passada, com todos os cuidados, preocupações e incentivos da minha linda Vivi.


Enfim, onze horas e cinquenta e oito minutos após o início da prova, cruzei a linha de chegada em grande estilo, de mãos dadas com o amor da minha vida. Uhu! Vitória! Um sonho que parecia impensável se realizou. Sem compromisso, decidi experimentar essa doideira das ultramaratonas e consegui vencer a competição, com mais de 118 quilômetros corridos. Ganhei muito mais do que um troféu, conquistei novas amizades, vivi ótimos momentos naquela noite, madrugada e manhã e festejei muito todas essas conquistas.



Com muita satisfação por ter corrido ao lado desses grandes atletas, parabenizo o Rafael Bonatto, um guerreiro que parou apenas por 6 minutos em toda a prova, e o Daniel Meyer, corredor forte e veloz (quase um trator, hehehe). Parabenizo também todos os ultramaratonistas que participaram desta prova-desafio. Certamente, foi uma experiência memorável para todos nós.


Agradeço a minha linda, minha musa inspiradora, meu apoio constante, sem sombra de dúvidas, se ela não estivesse comigo, nada teria acontecido. Te amo!


No primeiro momento após a prova, afirmei que jamais faria algo parecido novamente. Ninguém merece correr tanto, com sono, na escuridão... Que doideira! Mas agora, com a cabeça fria e parcialmente recuperado, começo a considerar as possíveis novas aventuras... Que venham novas ultras!
Beijos, minha linda.

P.S.: agradecemos a Marcelo Moraes, Raphael Bonatto e Marcos Dallacosta (Mouse) pelo "empréstimo" de algumas das imagens usadas neste post.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um sonho realizado!

Três horas, vinte e três minutos e quarenta e cinco segundos após o primeiro passo, ela encontrou a vitória, a realização, a quebra do recorde pessoal. Contudo, é inverídico descrever esse deslocamento inicial como primeiro passo, pois, há três meses, no final de fevereiro, nasceu o sonho, a ambição de baixar ainda mais o ótimo tempo obtido na memorável Maratona de Curitiba 2007.
Os primeiros treinos foram difíceis, os tempos previstos não saíam e eu até a pressionei para desistir da ideia, propondo postergar a disputa para outra data, outra competição. Porém, Viviane Baggio, determinada como só ela, bateu o pé e definiu que Porto Alegre 2012 marcaria sua volta ao pódio das maratonas. Mais algumas semanas se seguiram e os tempos melhoraram bastante. A planilha de treinos foi incrementada com algumas das minhas experiências treinadas exaustivamente, como longas sessões de tiros de 400 m e de 1000 m, e foram valorizadas as extensivas rodagens e a musculação. Ela seguia as orientações com galhardia e, a cada treino concluído, vibrava, como que vislumbrando a linha de chegada e a boa nova que o cronômetro descreveria. Visitou muitas e muitas vezes o Parque Barigüi, percorrendo-o incansavelmente.
A uma semana da prova, a ansiedade tomou conta e o friozinho na barriga – peculiar aos maratonistas na véspera do grande dia – já era congelante no seu ventre, trazendo dúvidas sobre sua performance e até o desejo de desistir de tudo, deixar para lá, tentar em outra oportunidade... Ou seja, se mostrou uma manhosa sem tamanho.
Já em Porto Alegre, no sábado, ela e eu fizemos um treininho à beira do famoso Guaíba, para tirar a ferrugem e espantar a tensão. Selamos a noite com um delicioso jantar na companhia dos amigos da Trainer, que também foram de Curitiba apreciar a prova porto-alegrense.
No domingo, na hora marcada para despertar, às quatro da matina, ela abriu a janela, sentiu o ar da madrugada, respirou fundo e profetizou: “hoje será o meu dia!” Daí para frente, tudo correu tranquilo, o aquecimento aconteceu ainda em meio ao breu e, exatamente às sete horas, começou a prova.
Nosso acordo era para a mocinha manter um ritmo mais moderado, cinco minutos por quilômetro até os três mil metros iniciais. Porém, ela já tinha determinado na sua estratégia particular sair um pouco mais forte, sem, claro, descuidar da cautela.
Assim, passou nos dez quilômetros com quarenta e oito minutos e dezoito segundos, a primeira meia maratona fechou em uma hora, quarenta e um minutos e trinta e um segundos e finalizou a segunda meia maratona em uma hora, quarenta e dois minutos e quinze segundos. Um reloginho! Mantendo um ritmo linear durante os quarenta e dois mil metros.
Já perto da linha de chegada, levantou os olhos e viu o relógio mostrando três horas e vinte três minutos. O sonho estava próximo! Os espectadores vibravam com aquela garota motorizada, rasgando o vento, que brindou todos com seu lindo sorriso ao cruzar a linha, numa felicidade sem tamanho, com lágrimas nos olhos e com sentimento imenso de realização, de recompensa, de felicidade!
Esta é uma bela página da vida corrida da minha linda, que sorriu com extremo prazer, que chorou de alegria, que viveu intensamente todos aqueles metros suados, desde o primeiro passo.
Parabéns, minha paixão! Sou seu fã número um.